Os presentes da dor, ou a traição da anestesia?

A música e o texto na voz:

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O quanto a morte nos determina?

O quanto nos define nossa finitude?

Quanto do incerto da vida, é a própria gasolina, a força motriz?

Como é, ser ciente, de que tudo pode de fato, a qualquer momento, desabar? Morrer.

O casamento, o orçamento, o parlamento…até a existência em si, assim como a gente a conhece… o corpo, o planeta, a galáxia.

Ruir, romper, decompor, apodrecer.

Desconfigurar, deixar de existir, transmutar.

Tão intrínseco a vida, e tão inutilmente tentamos a fórceps nos distanciar, o quanto pudermos, dessa parte da travessia. Sem lembrar que no próprio corpo onde colocamos as anestesias, nada se perde…. tudo se transforma. E ai de mim se alcanço ver a feiura da transmutação, que vive essa parte em nós, a excluída. Ainda pouco conectamos o cânceres com as magoas emplodidas. O ruim? Ah deve vir de fora né? E como entra, se não abrirmos a porta, com a mesma vibração dentro?

A constante iminência do fim, sempre me detona em mim.

E quando acontecimentos implacáveis nos berram em alto e bom som, que aquele papo todo de garantias e privilégios, passam longe das leis da vida?

A morte nem desconfia, de que até certo dia, acreditei ser especial… Parece que ela sempre chega a revelia…

Porque será que tão farta em possibilidades, nossa cultura faltou justo nisso: o encontro com a dor, com a morte, com o medo.

Como estar comigo inteiramente, de verdade, se rejeito a todo custo essa parte que dói, que morre, que é puro assombro, que tem medo até de olhar nos olhos de um outro ser humano?

E digo mais, rejeito com uma competência impar, sem nem saber que estou rejeitando, excluindo e por isso mesmo, quiçá aumentando…

Há anos vivo me debulhando em mil ferramentas profundas de autoconhecimento, achando a maior graça, pra num dado momento, olhar para aquilo tudo, e me dar conta, de que uma vez mais, era somente a pontinha do iceberg….

Arquitetura danada, amarrada nas entranhas, a das estratégias de defesa…. tudo, para não doer.

A dor dói, não é de resolver. Não se trata de resolver. Não antes de sentir, de verdade, e quem sabe tomar um sopro sobre a que ela veio…

Não estou falando de sofrer, dramatizar, elaborar. Estou falando do quanto de espaço a gente tem para estar em si, enquanto a dor dói, respirar nela…

O como estou comigo e como estou com os meus medos parece de fato definir o quanto posso, os presentes da dor, ou a traição da anestesia.

Os presentes da dor, ou a traição da anestesia, bifurcação constante, a cada passo, a cada chocolate, açucar, a cada face book, a cada sofrimento que tão disfarçadamente, me leva pra longe, do que é de fato estar com uma dor, integra-la.

Quantos se vão sem a profunda experiência da intimidade consigo?

Quantos movimentos nascem distorcidos e nos afastando de nós, para evitar a dor, a morte, o medo?

Quantas sinapses de “ser a menina boazinha” ou “a menina madurinha”  determinam o que identifico como sendo eu? Tudo para não doer….

Difícil imaginar que compreender, elaborar, perdoar, tão desejadas atitudes, eventualmente te deslocam da tua energia vital primal.

Digo por mim, que fui lá com a minha cabeça onde meu corpo não pode me acompanhar, e compreendendo, elaborando e perdoando perdi de vista a raiva, e com ela, também parte importante, da minha energia vital.

Para evitar a morte, parece que terminamos evitando também a vida.

E a isso, não estou disposta.

Aqui, de dentro de um corpo que hoje treme um pouco mais e pensa um pouco menos, sinto que a dor dói, mas dói menos, do que as longas voltas para evita-la.

Pois abrir mão de si para evitar qualquer algo (ainda que o mostro do lago azul), é viver morte em vida, feito zumbi que corre atrás de si, feito cão atrás do próprio rabo, sem nunca se alcançar.

Pesa mais uma existência vazia, repleta de anistia fantasiada de elaboração, do que a latência da vida, aventureira e sem garantias.

Se cabe na vida, há de caber em mim. A dor…. a morte, o medo.

Se a vida faz a curva, vou com ela, com medo mesmo, mas vou.

Honrando as fontes de inspiração e aprendizagem: Jussara Ribeiro (uma super terapeuta que indico demais),  www.learningloveinstitute.com e terreiro da Cabocla Jussara,  Nossa Senhora Aparecida, Sá Maria do Baláio e Mãe Ivone.

 

A música que nasce junto ao texto:

Eu vou até o fim

Escutar o que calou em mim

Se cabe na vida ha de caber em mim

Que toda dor tenha lugar enfim…

A dor dói, não é de resolver.

A dor dói, não to falando de sofrer

A dor dói….

A dor dói, não é adianta compreender

A dor dói, estar com ela pra crescer

De passagem a dor da morte, do medo

Estar com ela, é o segredo

Respirando nela é o segredo

Quem sou eu pra dizer não?

Quando a vida encontra seu fim

Sorrindo pra morte a vida diz sim, para nós

 

 

 

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